:: Quando a luta pela vida também é marca do Evangelho



- A história comovente do jovem Stephen Sutton

Stephen, abril/2014

Algumas pessoas não morrem, jamais. Sua luta por si mesmo ou tentando, de alguma maneira, fazer dela a energia para o bem comum, são sempre desafios inspiradores para nossa fragilidade humana. Sim, não nos esqueçamos que somos seres humanos. Mas, por outro lado, não nos esqueçamos também que a vida é feita de decisões. O que fazemos dela e como “mostamos Deus” através dela acaba sendo a razão que nos aponta o que nos move a ser e a existir.

O testemunho do Evangelho não é um exercício de regrinhas religiosas que as pessoas “precisam” ver ou tomar conhecimento. Não é nada disso. Dizer que o Evangelho é uma regra ou um conjunto de regras religiosas é a mesma coisa que dizer que Deus tem uma religião, fundou uma igreja e deseja que todos se tornem sócios dela. Isso não é apenas ridículo, mas absurdo. É uma blasfêmia, pois diminui intencionalmente a própria imagem do Criador, que é Senhor e Soberano sobre todas as coisas. Deus não precisa de nada. Deus merece!

O testemunho do Evangelho, portanto, se dá como uma resposta tranquila a uma ação inicial de Deus, isto é, a tudo aquilo que Dele recebemos e “percebemos” por meio da fé, como a alegria simples com o que nos torna feliz, a leveza de ser em prol da paz, do bem, do respeito, do acolhimento, da solidariedade, sem fazer critérios de pessoas "merecedoras" ou não, além de nos incentivar a desejar o mesmo bem e paz para todas as pessoas ao nosso redor, agindo para que mudanças em prol do bem comum, no respeito à individualidade de cada um de nossos semelhantes, aconteça e se mostre --- ainda que nem se pense ou se busque teologizar nada acerca disso --- como passos, mãos, voz e olhares de Jesus na vida... o testemunho, portanto, segue por sinais visíveis na caridade e no rompimento dos grilhões que aprisionam as pessoas a uma vida que é pior que sobrevida, é anti-vida, é morte. Eis por que o discípulo de Jesus é, na verdade, um teimoso pela esperança, um sonhador com o avanço do reino, ainda que muitas vezes gema de dor, de incompreensão e sofra na pele --- tal qual seu Senhor e Rei o sofreu! --- o peso esmagador das injustiças, da mentira, das invejas e da exclusão presentes neste mundo caído e distante do amor escandalosamente inclusivo do Pai das Luzes.

São muitos os discípulos do Bem de Deus, ainda que nem todos estes discípulos sejam percebidos como sendo de sua ou da nossa “religião”, ou, ainda, não tendo religião alguma, mas carregando a força da fé, que os faz acreditar que nada é em vão e que o sentido de viver pode estar para além da compreensão, por isso não desistem... ainda que partam e deixem conosco a Presença do Exemplo

Eis a história de Stephen, o adolescente britânico que faleceu ontem, aos 19 anos de idade, mas escreveu um diário on line pelo seu facebook que era acompanhado por milhares de pessoas.

Diário de Stephen, 8 de maio de 2014

Fui diagnosticado com câncer de intestino em setembro de 2010. Acabei tendo períodos de recaída, antes os médicos eventualmente descreveram minha doença como incurável em novembro de 2012. Durante todo este tempo que tenho já passei por todos os tipos de tratamentos (cirurgia, quimioterapia, radioterapia, etc.) que me ajudaram não só cuidar mas também prolongar a minha vida. A propagação da doença desde tem sido constante e bastante singular. Eu, na verdade, me vejo como um cara de muita sorte, apesar de ter alguma coisa em mim incurável... por um tempo já tive períodos sustentados com boa saúde, onde eu conseguia dar voltas, sair e aproveitar as coisas que jovens fazem (confira um pouco minha história aqui).


Mas, sabe como é, minha doença ainda ta por aqui e ainda ta crescendo... por exemplo, por um tempo tumores acabaram colocando minha perna esquerda agora como inútil... e eu sinceramente agora dependo de muletas para me mobilizar. É, também estou usando  morfina e outros analgésicos para os nervos. Recentemente, mais e mais coisas começaram a correr mal com meu corpo, e é claro que estamos agora encarando uma nova fase dessa grande 'viagem'.

Cada viagem com câncer é diferente, mas sempre achei que uma vantagem que posso tirar disso é que ele acaba sendo bastante previsível - ou seja, o câncer tem crescimento muito lento. Então, já sabendo disso, não posso, de repente, acordar um dia me sentindo extra 'tumoral'!!!! Em termos de enfrentamento, isso me ajuda imensamente. Esse  período no hospital, juntando com a acuidade e a velocidade dos meus problemas só me mostraram o quanto minha saúde ainda é frágil, ou melhor o quão brutal o câncer ainda pode ser com ela.

A recuperação que tive é alguma coisa assim muito milagrosa. Eu mal posso acreditar. Era realmente pra ficar entrando e saindo várias vezes, em diversas ocasiões, mas de alguma forma eu consegui ficar aqui. Depois de tossir um tumor (que eu vou admitir que soa como algo completamente improvável!), sintomaticamente e clinicamente tô me sentindo muito saudável - e não há nenhuma razão que não me deixe continuar [me sentindo assim] por um tempo.

Por quanto tempo, não sabemos. Vou me encontrar com meu professor na próxima sexta-feira, onde vamos ter um bate-papo bem bacana sobre toda essa situação e meus planos para o futuro.

Por fim o que posso dizer é que não há nenhuma solução milagrosa para mim. Potencialmente sou a pessoa mais positiva e otimista do mundo, mas temos que ser realistas com o que estamos enfrentando. Minha doença está muito avançada e tem vezes que parece me pegar de jeito, mas vou tentar de todas as formas [por mais] maldito e difícil que seja ficar aqui o maior tempo possível. Eu não morri ainda, a jornada continua, então acho que precisam um pouco mais de mim [por aqui].

Diário de Stephen, 14 de maio de 2014

Meu coração está explodindo de orgulho, mas também está rompendo com tanta dor por saber que o meu mais corajoso, altruísta e inspirador filho faleceu tranquilamente durante o sono nas primeiras horas desta quarta-feira, 14 de maio, logo pela manhã. Todo esse contínuo apoio e essa efusão de amor pelo Stephen nos ajudará muito neste momento difícil, da mesma forma como ajudou Stephen ao longo de toda sua jornada. Todos sabemos que ele nunca será esquecido, seu espírito viverá, em tudo o que ele alcançou e compartilhou com muitos.

Com amor,

A mãe dele.


NOTAS:
Para saber mais, clique aqui.

Texto de introdução e tradução por Ricardo Pinheiro

Imagens por Facebook, The Mirror
 

Este blogue é uma publicação virtual do Movimento Episcopaz - Anglicanos pró-diversidade & pela paz, uma pastoral de direitos humanos ligada à Paróquia da Santíssima Trindade (Igreja Episcopal Anglicana do Brasil), no Méier, Rio de Janeiro.  

Comentários

Postagens mais visitadas