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 :: Padre Trevor Huddleston, o homem que inspirou Desmond Tutu ::


 Por Ricardo Pinheiro

O papel de um sacerdote no mundo é não apenas glorificar Cristo em suas ações diárias, todas elas, mas também levar os valores do reino de Deus (paz, justiça, respeito, unidade, etc) a todos os lugares, ainda que incomode (como certamente incomodará) o mundo e todos os seus sistemas vis que separam pessoas, medem-nas e as compara umas com as outras, diminuindo algumas e exaltando outras... este mundo nada tem de reino de Deus, mas certamente é “pressionado” quando o fluxo do amor transborda, incomoda e abala os poderosos.

Nas décadas de 40, 50 e 60, um sacerdote anglicano realizou sua Missão no chão da existência anunciando Cristo e a sua espantosa liberdade de acolher, de abraçar e de tratar bem a todos, independentemente de qualquer característica ou adjetivação. O então padre Trevor Huddleston, mais tarde bispo, foi uma pedra no sapato dos líderes afrikaners na África do Sul. Incomodou tanto que nem as ameaças de prisão e expulsão o fizeram calar. O Evangelho precisava ser pregado com seu testemunho e nada iria impedi-lo. Padre Huddleston começou descumprindo as leis que proibiam brancos de visitarem as favelas para onde os negros eram confinados. Mais tarde, assumindo uma postura mais política em favor dos direitos humanos e das liberdades civis, passou a se aliar com os líderes do movimento negro e a discursar diante de prédios públicos, ameaçando os poderosos com a ira divina por todas as injustiças perpetradas.

Na obra “Nascidos para o bem”, do arcebispo anglicano Desmond Tutu, a memória de  Huddleston é reverenciada como aquele que o inspirou a tomar a decisão para ser um sacerdote como o padre Trevor:

“Hddleston era inglês. Um sacerdote anglicano... e quando nossos caminhos se cruzaram, era o padre reitor da Comunidade da Ressurreição em Sophiatown e Orlando. Naquela ocasião, eu estava parado com minha mãe do lado de fora do edifício onde ela trabalhava. Eu tinha uns nove, dez anos. Ela era cozinheira em Ezenzeleni, um instituto para mulheres negras deficientes visuais. Estávamos desfrutando do calor débil do sol de inverno quando um homem branco, vestido de casacão, passou por nós e levantou o chapéu para minha mãe. Quando isso aconteceu, eu não me dei conta de que esse incidente havia me impactado tão profundamente. Um homem branco, cumprimentando uma mulher negra, nos anos de 1940, na África do Sul do apartheid, era um gesto impensável. Mais tarde o conheci e descobri que ele tinha uma profunda crença na doutrina da criação. Acreditava verdadeiramente que cada um de nós fora criado à imagem de Deus. Vivia como acreditava.


Trevor era um homem fascinante. Era como o flautista de Hamelin. Quando caminhava pelas ruas de Sophiatown, seu casacão branco não permanecia imaculado por muito tempo: as crianças negras corriam para agarra-lo ou segurar sua mão. “Fadder, fadder!”, era como o chamavam, querendo uma palavra, um toque, um sorriso.” [grifos nossos].

Na autobiografia de Nelson Mandela, “Long Walk to freedom”, o padre Trevor é descrito como um dos grandes opositores ao decreto do governo nacionalista afrikâner que em 10/02/1955 determinou que as áreas para negros deveriam ficar afastadas, no mínimo, seis milhas de Johannesburg. Ele era um dos líderes do movimento formado basicamente por negros. Em 1956 acabou saindo da África do Sul e voltando para a Inglaterra, a pedido de sua comunidade, que temia sua morte.

Em 28/02/1960, liderou em Londres a grande marcha de boicote às mercadorias produzidas pelo regime apartheid da África do Sul, onde mais de dois mil ativistas dos direitos humanos caminharam de Marble Arch a Trafalgar Square. No mesmo ano, foi sagrado bispo de Masasi (Tanzania), onde trabalhou por oito anos até se tornar bispo de Stepney, na diocese anglicana de Londres, onde veio a falecer aos 84 anos como bispo emérito. O fato foi noticiado em todos os principais jornais do mundo, entre os quais, o New Yor Times.

Seguem algumas imagens de um dos períodos mais tristes da história contemporânea, na África, contra o qual o padre Trevor Huddleston se levantou (fonte: Anorak Reino Unido):






Estas últimas são imagens da multidão no subúrbio de Sharpenville, sul de Johannesburg, em 21 de março de 1960, ocasião em que a polícia branca atirou contra os negros que protestavam contra a lei que os obrigava a andar pelas ruas de Johannesburg munindo "passes" que autorizavam negros a pisar nas mesmas ruas que os brancos. Neste terrível incidente, 69 pessoas foram mortas, incluindo 8 mulheres e 10 crianças. A imprensa noticiou como uma "reação" aos negros desordeiros e marginais. 

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