:: ”Virou gay, é? Já pra rua!” ::..
Do
consultório do dentista a TV mostrava um programa de entrevistas com
plateia. Chamava-se “Casos de Família”.
No bloco de abertura, um caso que parece ser rotineiro e que revela a triste
realidade do cotidiano. Um jovem, desses do início da adolescência, com apenas
um buço no rosto, contava seu drama existencial diante das câmeras e da
platéia. Não tinha com quem ficar... seus pais não o aceitavam. A rua era o que
lhe apontavam seus pais, isto é, aqueles que, por obrigação moral e até legal
(já que menores devem ser assistidos por seus pais até, pelo menos, completar a
maioridade), deveriam zelar pela sua integridade física, moral, emocional,
intelectual... ali não se via Deus (ou alguém ainda duvida que Deus é visto onde
há amor?)...
- “Você expulsaria seu filho de casa ao saber
que ele é gay?”, perguntou a entrevistadora.
-
“Sim, expulsaria”, foi a firme resposta da mulher.
-
“Não tô acreditando no que ouvi. Você tá falando sério?”, provocou a
entrevistadora.
-
“Sim”, insistiu a mulher.
Ao
lado dela encontrava-se o adolescente, alto e esguio mas com feições de
pré-adolescente. Não mais que quatorze ou quinze anos. Caíque é seu nome. Tinha
sido expulso de casa pela mãe após convida-la para uma conversa onde confessou
àquela que mais confiava ser de uma orientação sexual e afetiva diferente da
maioria dos meninos. Tentou se abrigar na casa do pai, que já vivia com outra
mulher. Agora, é a madrasta quem não o quer lá pois pode “ser uma péssima
influência” para seu filho de seis anos de idade. Esta madrasta foi quem
respondeu ao diálogo acima. Ela é o
retrato da sociedade que, por preconceito fruto da ignorância, associa a
homoafetividade à promiscuidade e, pior ainda, à pedofilia. Em suma, como
muitos ultraconservadores gostam de afirmar: os homoafetivos são um perigo às
famílias... são uns marginais!
Boa
palavra deu a psicóloga a tudo presente trazendo dados estarrecedores do alto
índice de suicídio e de uso de drogas por adolescentes justamente por não
encontrarem amor, apoio e acolhimento entre as pessoas que mais deveriam
amá-los. “Tenha força, Caíque, pois é
importante que você aprenda a se fortalecer com tudo isso para enfrentar
corajosamente os preconceitos e as injustiças do mundo.”
A
psicóloga foi, naquele instante, a presença do testemunho de Jesus, mesmo nada
falando a respeito de Jesus. Foi sinal claro de vida e luz no meio de tanta
treva-desamor. De fato, o alto índice de suicídio de jovens LGBTs é alarmante.
Nos EUA uma organização civil surgiu em 1998 com o propósito de enfrentamento
deste grave problema social. O Trevor Project conta com apoio de muitas
organizações civis, artistas e anônimos. Milhares de testemunhos de gente salva
da morte com uma palavra de acolhimento e esperança. No Brasil, o psiquiatra
José Manoel Bertolote escreveu uma obra fruto de anos de pesquisa sobre o
assunto: “O suicídio e sua prevenção” (Ed. Unesp, 144 págs.). Segundo ele, nos
últimos 25 anos a taxa de suicídio entre os adolescentes cresceu 30%. Artigo do
psiquiatra Neury Bortega, da UNICAMP, também revela esta preocupação. Para ele,
é importante falarmos sobre o assunto porque estamos indo na contramão da curva
ascendente nos países europeus que resolveram enfrentar a questão por meio de
campanhas. “A sociedade está cada vez menos solidária, não tem uma rede de
apoio”, afirma o Dr. Neury.
Fiquei
pensando no papel das famílias, mas sobretudo da Família da Fé, a Igreja. Qual
tem sido nossa resposta diante das injustiças, fruto da ganância; das
intolerâncias, da homofobia e de todos os preconceitos, fruto da ignorância e
do desamor? Até quando ficaremos silenciosos e esconderemos por debaixo do
tapete os dons e os talentos que do Senhor recebemos a fim de proclamar
libertação aos cativos e vitimados pela homofobia e por toda forma de
intolerância (sexual, religiosa, étnica, etc), e anunciar o Ano Aceitável do
Amor Incondicional (que não pede ou exige condição alguma, por mais moral que
possa parecer ou por mais ou menos melanina que a pele possa apresentar)?
Há
muito trabalho pela frente, caríssimos. Há muitas potestades a serem
destronadas dentro da mentalidade e do fundamentalismo (gerador de inúmeras
intolerâncias). Que o Senhor nos ajude e que seu Espírito esteja conosco.
Neste
dia em que a Igreja católica (latina, oriental e anglicana) celebra a memória
de São José, esposo de Maria, pai de Jesus na Sagrada Família, elevamos nossos
corações a fim de que, pela intercessão de Jesus, da Virgem Mãe, dos Apóstolos,
Mártires, de São José e todos os santos, os muitos Caiques espalhados por este
país encontrem em Deus “refúgio e fortaleza, socorro bem presente na tribulação”. Amém.
Ricardo
Pinheiro
Coordenador
da Pastoral de Direitos Humanos
Movimento
Episcopaz – Anglicanos pró-diversidade & pela paz
No
dia de São José, patrono das famílias, 19/03/2014
E NÃO SE ESQUEÇA:
Há
uma programação especial para você que está pelo Rio de Janeiro neste final de
semana. No sábado, 22/3, das 13h às 18h, grafitaremos o muro da Paróquia na rua
Lucídio Lago, 172, Méier (em frente ao Batalhão da PMERJ) com frases e arte de
empoderamento das mulheres e contra o machismo. No domingo, 23/3, às 11h
teremos Santa Missa onde todos os que se consideram (ou foram considerados)
excluídos e “postos à margem” saberão que Deus não faz acepção de pessoas e
procura gente que O adore em espírito e na verdade do próprio ser. Entrada pela rua Carolina Méier, 61, no Méier. Logo após,
almoço comunitário e uma programação incrível com partilha e testemunhos (das
14h às 17h30). Não fique de fora.
Paróquia
da Santíssima Trindade (DARJ/IEAB).
Anglicanos,
católicos e inclusivos.
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