:: Ministérios inclusivos sesquicentenários
Igreja de São Paulo, Richmond (EUA)
— Sinais históricos da missão pastoral
inclusiva numa comunidade episcopal sesquicentenária
Antes de mais nada é importante esclarecer que ao falar de
inclusão não buscamos compreender ministérios religiosos específicos (ou
exclusivos para determinados grupos ou categorias de pessoas), mas salientar
aquelas comunidades cristãs históricas com uma clareza mais afirmativa sobre o
“ethos inclusivo”, sobretudo quando ligadas à Comunhão Anglicana.
O chamado movimento inclusivo nas comunidades cristãs não é tão
recente, embora não seja tão antigo quanto pareça. Foi se desenvolvendo ao
longo da própria evolução da sociedade e seus costumes. Enquanto movimento é
recente, porém no aspecto do anúncio eclesiológico do “ethos” que a todos
respeita foi sendo galgado há mais tempo, ainda que ao sabor dos ventos da
própria cultura em cada contexto histórico e social.
Assim surgiu, por exemplo, na histórica Igreja de São Paulo em Richmond. Nada da noite para o dia,
mas aos poucos, respeitando — e não estuprando — as consciências e o
discernimento da evolução dos costumes e da compreensão crítica do próprio
texto sagrado.
Para se chegar ao que hoje se vê, com pastorais as mais diversas e
uma Missão Pastoral que dignifica a presença de todas as pessoas, fugindo do
fundamentalismo e de todas as formas de intolerância e preconceito, as sementes
começaram há muitas gerações passadas. No sítio da comunidade é possível se ver
o convite, que diz:
"O
que quer que você traga para nós ou quem quer que você seja, nós nos alegramos
porque você está aqui. A paróquia de São Paulo é um lugar aberto a todos....
nós levamos nossa aliança batismal a sério. Quando prometemos "lutar pela
justiça e pela paz entre todos os povos, e respeitar a dignidade de cada ser
humano" (Livro de Oração Comum) nós queremos dizer que isto se refere a TODAS AS PESSOAS,
independentemente da idade, cultura, deficiência, origem étnica, gênero,
identidade de gênero, estado civil, nacionalidade, raça, religião, orientação
sexual ou condição socioeconômica."
Daí,
ao ler tais palavras, não é fácil imaginar que uma comunidade dessas possa ter
mais de um século e meio de existência (na verdade, mais de 160 anos) e ter sido
uma das pioneiras na Missão Pastoral de Inclusão no solo norte-americano.
Fazendo uma espécie de mergulho histórico a paróquia passou por
uma verdadeira “metanoia” (lit., mudança
de pensamento), pois quando Richmond se tornou a capital dos estados confederados
durante a Guerra Civil ou Guerra da Secessão (1861-1865), a São Paulo não
apenas era a igreja da qual o presidente Jefferson Davis era membro com sua
família (recebidos à comunhão em 1862), mas também o famoso general
confederado Robert Lee. A igreja também serviu durante a Guerra Civil americana
como hospital para as tropas confederadas.
Eis que dentro deste contexto de turbulência política, com a
abolição da escravatura declarada e promulgada pelo presidente Lincoln, porém,
sem qualquer efeito nos estados do sul, inclusive Richmond, onde a paróquia
está localizada, um episódio com os primeiros sinais de inclusão acontece
portas a dentro. Os relatos, conforme traduzi, são impressionantes (sobretudo
se lidos dentro dos limites daquele contexto histórico e social onde negros não
entravam nem se misturavam em igrejas com brancos):
“O Tenente Coronel
Broun, de Charleston, W. Va., escreve ao ter estado presente na Igreja de São
Paulo, Richmond, Va., logo após a Guerra, quando um negro marchou em direção à
Mesa de Comunhão à frente da congregação. A sua narrativa do evento é a
seguinte:
"Dois
meses após a evacuação dos negócios em Richmond chamaram-me para Richmond por
alguns dias. E em uma manhã de domingo, em junho de 1865, eu tinha ido assistir
ao serviço [religioso] na Igreja de São Paulo. O Rev. Dr. Minnigerode [que foi
pároco reitor naquela comunidade por 30 anos, compreendendo o período da Guerra
Civil] pregou.
Era
dia de comunhão; e quando o ministro estava pronto para administrar a Santa
Comunhão, um negro na igreja levantou-se e avançou para a Mesa da Comunhão. Ele
era alto, bem vestido e preto. Foi uma grande surpresa e ao mesmo tempo um
choque aos comungantes e outros presentes. O seu efeito sobre os comungantes
foi surpreendente, e por vários momentos se mantiveram nos seus lugares em
silêncio solene, sem se mover...
O
General Robert E. Lee [(herói confederado na Guerra Civil e paroquiano na São
Paulo] estava presente e, ignorando a ação e a presença do negro, surgiu em sua
forma digna como era-lhe o costume, caminhou até ao trilho mor do altar, e
reverentemente ajoelhou-se para participar da comunhão, e não muito longe do
negro. Esta sublime concepção do dever pelo general Lee em tais circunstâncias
provocando e deixando alguns irritados tinha um efeito mágico sobre os demais
comungantes (incluindo o escritor), que passaram para a frente à Mesa da
Comunhão. Por essa ação do general Lee os serviços eucarísticos foram
realizados, era como se não houvesse um negro ali presente. Foi uma grande
exposição de superioridade mostrada por um verdadeiro soldado cristão sob as
circunstâncias mais difíceis e ofensivas".”
Considerando o fato que aquela comunidade muito provavelmente
recebeu a visita de um cristão negro, talvez um ex-escravo, que ousou ser o
primeiro a se levantar na hora da Eucaristia e seguir até a Mesa da Comunhão;
considerando que a abolição da escravatura só recebeu o aval do Congresso
americano em dezembro de 1865 (e o episódio data de junho), tendo demorado a
acontecer na prática nos estados do sul, como Virgínia; considerando que,
embora causando constrangimento, o negro não foi expulso da comunidade (o que
não era incomum naquele estado e naquele contexto) e pôde comungar ao lado dos
demais paroquianos, que por fim não se importaram com sua presença; posso
considerar que naquele dia alguma coisa mudou por ali.
Aquela comunidade nunca mais foi a mesma. Estava plantada uma
semente de inclusão que viria a germinar e gerar muitas iniciativas de aproximação e acolhimento, as quais, hoje, mais de um século e meio depois, justificam a ampla abertura que a paróquia tem para todas as pessoas, sobretudo
aquelas marginalizadas ou excluídas.
Para começar a incluir todas as pessoas, o que não é favor algum
quando consideramos a força da Mensagem do Evangelho de Jesus (e nós, anglicanos,
sabemos muito bem!), basta decidir querer encarnar o espírito promovedor da
justiça para todas as pessoas. Tudo o mais é (ou será) mera consequência da
quebra de paradigmas pela prática do amor.
Que as paróquias episcopais anglicanas do Brasil desenvolvam o mesmo destemor na sua Missão pastoral inclusiva e acolhedora. Abrir as portas (o 1º passo) todas já deram.
Ficaremos estagnados por aí?
Que as paróquias episcopais anglicanas do Brasil desenvolvam o mesmo destemor na sua Missão pastoral inclusiva e acolhedora. Abrir as portas (o 1º passo) todas já deram.
Ficaremos estagnados por aí?
R. P.
Movimento Episcopaz
Anglicanos Pró-diversidade & pela paz
16/11/2014
BREVES
OBSERVAÇÕES DE RODAPÉ:
1) Este relato foi publicado (em inglês) na revista “O Veterano Confederado”, outubro de 1905.
1) Este relato foi publicado (em inglês) na revista “O Veterano Confederado”, outubro de 1905.
2) Em junho de
1865, data do relato, a abolição da escravatura já tinha acontecido desde 1º de
janeiro de 1863 através do Ato de Emancipação assinado por Lincoln, o que nada
mudou na prática. A escravidão continuava acontecendo livremente.
3) Foi somente em
dezembro de 1865 que o Congresso norte-americano aboliu a escravidão com a
aprovação da 13ª Emenda Constitucional. Todavia, só 1868 os negros obtiveram
direitos iguais aos brancos por meio do artigo suplementar 14 (que ainda não
conferia o direito eleitoral).
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